Pular para o conteúdo principal

Não é buscando o igual que garantimos o sucesso dos nossos afetos





Há muitos anos atrás eu li o livro de Lygia Bojunga Nunes intitulado “O Sofá Estampado”. Naquele então eu estudava Letras e a disciplina de literatura infantil era uma das minhas favoritas. Um texto sempre tem outro texto dentro dele, nas entrelinhas, nas viradas das páginas como costumo dizer. Isso é o bom da leitura. Deixar que o nosso cérebro faça as conexões, criando o nosso texto pessoal a partir do texto do autor. Um bom texto nem sempre se revela assim na primeira leitura. Um bom texto é como um bom vinho, deve ser sorvido quietude dos sentidos.
“O Sofá Estampado” tem como personagens principais a gata Dalva e o tatu Vitor. Dalva, uma gata egocêntrica e mimada, passava horas a fio diante da televisão, sentada num sofá. Ela havia ganhado um prêmio por ser uma telespectadora assídua dos programas de tv, mas deixou a medalha recebida num canto de seu sofá porque estava hipnotizada com as imagens dos programas televisivos .
Imaginem a cena: Vitor que olhava Dalva que olhava a televisão. Não havia elã, nem sintonia entre os dois. Um belo dia, Vitor, de modo instintivo, começou a cavar um buraco na estampa do sofá. Ele cavava em continuação e Dalva nem se dava conta disso, imersa em seu mundo. Vitor termina caindo no precipício que ele mesmo criou para ele Dalva, por sua vez, prosseguiu caindo diariamente num buraco metafórico da sua dependência da televisão. Duas quedas diferentes mas simbólicas.

Uma gata que quer ser pessoa e um tatu que quer ser gato. Nada demais desejar o que não se tem. Mas, talvez para buscar ser algo mais temos que ser alguma coisa antes.
O nosso jardim merece ser verdadeiro e não de tecido. As imagens projetadas na televisão poderiam ser a nossa realidade e não somente os sonhos. Os tombos emocionais em queda livre podem deixar os nossos joelhos ralados, mas é o motivo pelo qual fazemos isso é que vai determinar o tamanho da nossa dor. Não é buscando o igual que garantimos o sucesso dos nossos afetos.

Para fazer contraste com outra cor, a gente precisa ser uma cor primeiro. Se você não gosta de flores de plástico corra para cuidar do seu jardim. E, depois de pronto, faça um filme da sua vida e se apaixone por ela.
Abrace o seu Vitor ou a sua Dalva com amor e diga para si mesmo: essas diferenças vão ser a nossa marca registrada.

Nivea Oliveira

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A diferença entre esperança e esperançar segundo Paulo Freire

Bom dia com Mario Sergio Cortella e Paulo Freire: “Como insistia o inesquecível Paulo Freire, não se pode confundir esperança do verbo esperançar com esperança do verbo esperar. Aliás, uma das coisas mais perniciosas que temos nesse momento é o apodrecimento da esperança; em várias situações as pessoas acham que não tem mais jeito, que não tem alternativa, que a vida é assim mesmo… Violência? O que posso fazer? Espero que termine… Desemprego? O que posso fazer? Espero que resolvam… Fome? O que posso fazer? Espero que impeçam… Corrupção? O que posso fazer? Espero que liquidem… Isso não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo. E, se há algo que Paulo Freire fez o tempo todo, foi incendiar a nossa urgência de esperanças

Van Zona Sul - a experiência de afeto e solução de um grupo de amigos

(Foto de Luiz da Costa Gonçalves Junior) Nas grandes cidades do Brasil, infelizmente, o deslocamento das pessoas constitui um problema. Os engarrafamentos são constantes afetando a qualidade de vida. Quem usa os meios públicos enfrenta a carência de um sistema que não consegue ser eficaz nem eficiente. O número de carros aumenta e as estradas não crescem na mesma velocidade dos carros. Para enfrentar essa questão alguns colegas de trabalho resolveram dar uma solução que consegue melhorar a qualidade de vida e contribui para diminuir a emissão de gases poluentes. Assim é a famosa “ van zona s ul”, como é chamada por eles. Esses amigos alugam uma van com motorista para fazer o transporte diário de ida e volta do trabalho. Esses heróis conseguem desafiar o trajeto zona sul do Rio de Janeiro até a Barra da Tijuca. A organização é primordial. O grupo é dividido entre fixos e avulsos. O pagamento é feito mensalmente e uma planilha é enviada para todos os membros com o comprova...

Marcos Caruso e Nivea Oliveira

Hoje a aula foi com ele. Caruso nos falou sobre o respeito que devemos ter enquanto profissionais. A arte exige de nós uma disciplina e constância. Uma ponte para a arte, para o ofício de criação.  Bom final de semana leitor!