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Mostrando postagens de dezembro, 2014

Não faça filas faça conexões

Já estou ensaiando a minha busca de momentos vitalizantes no cotidiano. Um treino para um dos itens da lista de 2015. Hoje a experiência positiva do dia ocorreu onde eu jamais pensei que fosse possível: num supermercado da Região dos Lagos. Ainda pela manhã foi comprar coisas para a casa. Estamos juntos, meus irmãos, amigos e mamãe, nessas festas de final de ano. Fui ao supermercado e logo senti que comprar coisas nesse período do ano é um desafio. Primeiro tive que desbravar a massa humana para chegar até às prateleiras para buscar os produtos da minha lista. Em seguida me dirigi ao caixa destinado aos clientes com pouco volumes. Esse gesto corriqueiro teria passado no anonimato se não fosse o encontro vitalizante com a Sra. Osmar e Rosana. A primeira está há três anos na região e esta última mora em Brasília. A longa espera fez com que o nosso diálogo abordasse vários temas ligados à felicidade. Certamente ninguém é feliz esperando numa fila  andar mas a descoberta de pessoas que se

COISAS DE COPA - Férias ou cortinas

- O quê? Você vai gastar o dinheiro das férias com cortinas?! - Olha só como está essa cortina, Francisca? Francisca e Irani são amigas há muitos anos. As duas trabalham como empregadas de família em Copacabana. Francisca trabalha na casa de uma atriz famosa, na Avenida Atlântica, que viaja muito e não tem filhos. Irani trabalha na casa de uma empresária no Bairro Peixoto. Hoje é dia de folga e Francisca foi visitar Irani que saiu mais cedo do trabalho porque a patroa está em casa e quando isso ocorre ela sai mais cedo. O marido de Irani é porteiro e mora no prédio com ela e as duas filhas, duas lindas meninas que estão de férias e foram à praia com os filhos da patroa. O marido de Irani, Paulo, está de serviço. - Mas tá maluca!? Férias são prá gente viajar! Tu vai ficar olhando as cortinhas por vinte dias e colocando foto no Facebook? Eu e minha cortina aberta. Eu e minha cortina fechada. Eu enrolada na cortina... Vai acordar de manhã e tomar café olhando prás cortinas.

Coisas de Copa - Haroldo

“Tanto tiempo disfrutamos de este amor Nuestras almas se acercaron tanto así Que yo guardo tu sabor Pero tú llevas también Sabor a mí” Haroldo sai do banheiro cantando junto aos Los Panchos a linda música de Luis Miguel. Hoje o dia está quente e é dia de faxina. Ele vai aproveitar para fazer umas comprinhas e caminhar na areia da praia de Copacabana enquanto a faxineira faz o trabalho dela. Viúvo há quase dois anos, Haroldo aprende a cada dia  a distrair a solidão. Não é fácil. A solidão se esconde nos dias, nas horas e nos momentos. A viuvez é um aprendizado difícil porque na idade dele a gente quer sossego. Enquanto ele enxuga os cabelos grisalhos olha para a foto que está sob a cômoda e aproveita para secar os ouvidos. A moldura bonita mostra o homem que sorri ao lado de Pilar. Aquele foi o Haroldo do passado. O Haroldo executivo que comandou uma empresa de móveis para escolas e universidades por quase trinta anos.  O Haroldo que se apaixonou por uma linda jovem do Instit

Hoje Aurora não desceu

Aurora era uma vizinha simpática que frequentava a mesma academia que eu, em Copacabana. Não frequentávamos a casa uma da outra mas éramos vizinhas cordiais. Seu olhar inquieto denunciava uma vitalidade alegre de uma jovem senhora que morava sozinha mas não era só. Assim como minha mãe que vive aparentemente uma viuvez quando na realidade está de bem com a vida. Conheci pessoas solitárias que estão casadas e o diálogo não destrava porque cada um está olhando para si mesmo. A solidão não é somente uma condição do morar só. A solidão é uma vivência possível mesmo que o indivíduo esteja numa partida de futebol. Todas as vezes que nos encontrávamos, Aurora e eu, eu costumava cantarolar uma velha marchinha de carnaval para ela: “Se você fosse sincera, ô, ô, ô, Aurora.” Ela sorria e engatávamos a conversa do dia que passava pelo trivial até argumentos mais sérios como a política e a economia. Aurora era sincera mas a marchinha dava um toque especial aos nossos encontros. Eu a encontra

Coisas de Copa - A solidão dos idosos

A face branca e com sinais do tempo estava voltada para a decoração de natal. Ela estava sentada  num dos bancos do espaço ao lado da recepção. Dezembro consegue mudar tudo: as cores dos enfeites, a dança das luzes, a cordialidade no ar. No passado ela gostava dessa época. Agora não mais. Mora sozinha, no segundo andar. Não tem mais o companheiro e a filha vive do outro lado do oceano. Sim, já esteve lá. Mas não entendia a língua dos outros e a solidão ficara maior. Aguardava pacientemente para usar o elevador. Chegaram dois turistas conversando em alemão. Com eles não é possível estabelecer contato. Chegou a moça que anda de bicicleta todos os dias no mesmo horário. Se não fosse pelo fone no ouvido ela teria ido. Olha de novo em volta. A luz pisca. A cor decora. Ela já sabe tudo de cor. Uma criança chega correndo. Os pais chegam em seguida mas estavam brigando. Briga com solidão não é um bom prato. Finalmente acabei de falar com o porteiro e me dirigi ao elevador. Ela veio ao meu enc

Duas amigas e um desencontro

Eliana encontrou Estelsa na Avenida Rio Branco num dia de calor insuportável. Eram quase três horas da tarde e podia-se fritar um ovo no asfalto. Foi um encontro alegre. As duas estavam tentando atravessar a avenida juntamente com a massa humana que as circundavam. Eliana carregava o material do curso preparatório para concursos. O suor escorria pelo braço e as mãos colavam no plástico da pasta que postava com as apostilas. Na outra bolsa ela tinha canetas, lápis, borracha e aqueles doces que se compram nas bancas do Rio de Janeiro. Estelsa carregava um monte de sacolas de plástico. Ela vinha do Sahara e estava buscando um local para tomar algo fresco antes de se aventurar no metrô com destino à Baixada. O cabelo vermelho e um pouquinho ressecado lhe conferia um ar desleixado. As duas se olharam num primeiro momento sem se reconhecer. Logo em seguida, as mentes das duas identificaram-se mutuamente. Foi uma confusão. Elas queriam se abraçar mas o sinal abril e os transeuntes arr

O outro

A grama do vizinho É sempre mais verde.  A cor e forma são impecáveis deixando V. com um misto de raiva e inveja. -“Mas como ela consegue?” Assim dizia V. ao marido todas as vezes em que a vizinha ao lado saía para ir nadar. V. não tem filhos e vive com o marido S., que é aposentado. A vizinha era viúva e tinha dois filhos adolescentes. A natação foi a maneira que ela encontrou para ficar consigo mesma depois de passar um dia entre a cozinha, ferro de passar e máquina de lavar. Depois dos trabalhos de casa tinha o mercado, os pagamentos no banco, as reuniões na escola, a vida seguindo em frente enquanto ela mastigava um pedaço de pão francês e engolia o café açucarado. Os filhos pediam atenção constante e a saudade do marido ia se diluindo no meio de tantos apelos. A piscina era a salvação. Debaixo d’água o cérebro fazia conexões, buscava soluções, recordava. A sua grama vingou. Na casa de V. a solidão era entrecortada pelos rumores que chegavam diariamente da cozinha. A sa

Aviso aos navegantes - Nós podemos voar!

De repente aquele copo bonito se quebra, aquele sofá caro se mancha, a unha bem feita fica faltando um pedaço. Assim é a roda da vida que vai oscilando entre o bom e o imprevisto deixando –nos a olhar a agenda com tristeza: os objetivos foram riscados pela sorte. O destino chega e nos diz : “agora é comigo”. Será que estamos prontos para esse tipo de dança? Será que deixar o sofá quentinho, cujo assento já tem a forma do nosso corpo e ir à luta é algo fácil? Nem sempre. Porém, a crise é a oportunidade de nos levantarmos do sofá, mexer o esqueleto e comprar um sofá novo, um divã, uma poltrona ou ainda decidir que é hora de ficar um pouco em pé. Toda mudança é uma oportunidade de se conhecer melhor e aprendermos algo novo. Vamos levantar a poeira e escolher novas cores, novos discursos, vamos descobrir a infinidade das possibilidades. A roupa de vítima deve ser jogada para o lado. A renovação é a arte de sair das amarras das circunstâncias e buscar novos abrigos. A vida não faz nada