Eliana encontrou Estelsa na Avenida Rio Branco num dia de calor
insuportável. Eram quase três horas da tarde e podia-se fritar um ovo no
asfalto. Foi um encontro alegre. As duas estavam tentando atravessar a avenida
juntamente com a massa humana que as circundavam. Eliana carregava o material
do curso preparatório para concursos. O suor escorria pelo braço e as mãos colavam
no plástico da pasta que postava com as apostilas. Na outra bolsa ela tinha
canetas, lápis, borracha e aqueles doces que se compram nas bancas do Rio de
Janeiro. Estelsa carregava um monte de sacolas de plástico. Ela vinha do Sahara
e estava buscando um local para tomar algo fresco antes de se aventurar no
metrô com destino à Baixada. O cabelo vermelho e um pouquinho ressecado lhe
conferia um ar desleixado. As duas se olharam num primeiro momento sem se
reconhecer. Logo em seguida, as mentes das duas identificaram-se mutuamente. Foi
uma confusão. Elas queriam se abraçar mas o sinal abril e os transeuntes arrastaram
as duas amigas que tentavam se aproximar. As sacolas de plástico atrapalhavam
Estelsa que ainda trazia consigo um lencinho de pano numa das mãos para combater os efeitos da sudorese. A conversa foi
rápida. Eliana tinha o simulado e Estelsa precisava ir embora antes das quatro.
Resolveram se encontrar outro dia para colocar a conversa em dia, afinal elas
foram amigas inseparáveis durante um período da vida delas.
O local do encontro foi uma pizzaria em Vila Isabel. As duas cresceram
na Baixada mas Eliana se casou e saiu de lá. O casamento acabou e ela agora tentava
fazer um concurso para o INSS. Ela trabalhava como contadora numa empresa e
estava aproveitando as férias para fazer um curso preparatório que prometia
milagres desde que você se comprometesse. Na realidade era você que prometia ao
curso que iria estudar. E, em troca dessa promessa pagaria a mensalidade das
aulas.
Eliana chegou à pizzaria cedo e ficou olhando o cardápio enquanto que o
casal de namorados na mesa ao lado trocava beijinhos e juras de amor. Ela não
acreditava mais em promessas. Somente na jura que fez a si mesmo de sair dessa
vidinha mais ou menos. Estelza chegou esbaforida, espirrando muito.
- Desculpa Eliana! Estou muito mal.
Estelsa não se aproxima de Eliana.
- Nossa, seus olhos estão vermelhos.
- Nem me beija porque pode ser contagioso.
- Tudo bem. Quer marcar outro dia?
- Não. Eu tenho sempre isso. A minha sinusite é diferente. Ela me ataca
sempre que estou ansiosa.
- Você está ansiosa?
- Mas claro, a gente não se vê desde o teu casamento. Bota ansiedade
nisso!
Estelsa coloca a bolsa grande sob a mesa e começa a procurar comprimidos.
A voz de Frankie Avalon toma conta do ambiente. A canção Venus, dos anos
cinquenta invade o ambiente. Eliana ouve a música sem entender o motivo de uma
canção tão antiga ainda agradar alguém, ainda mais quando se trata de clientes.
Eliana logo deduz, após observar atenciosamente, que se trata do gosto do
proprietário que está próximo ao balcão dos doces fechando revirando os olhos
como se buscasse o passado que se foi. Estelsa não ouve a música. Ela está
preocupada com os remédios.
- Estelsa, o que você está procurando?
- Meu comprimido para o estômago. Quando eu como pizza fico com uma azia
danada. Ah! Está aqui! Moço me traz um pouco d’água.
- Eu não pedi nada porque estava te esperando.
- Eu me cuido muito para não ter nada.
- Eu também tenho problemas de estômago. Quando eu..
- Mas não como o meu. Eu tenho dores, acidez, pontadas. É um horror.
- Bom, podemos ir para outro lugar.
- Eu tenho esse problema há anos.
- Sei. Olha chegou a água.
Estelsa não espera o garçom abrir a garrafa de água mineral. Toma-a com
força e pressa das mãos do atendente, que se assusta. Eliana fica confusa.
- Como eu te disse, eu tenho esse problema há muito tempo. Ninguém tem
esse problema como eu.
- Sei. Como vai a sua mãe?
- Tudo bem. No ano passado eu tive apendicite também. Um horror. Eu
tinha ido para um retiro da igreja e passei mal na primeira noite. Ninguém
acreditou em mim. Achou que eu estava exagerando.
- Sério?
- De madrugada eu comecei a gritar e caí no chão. Aí eles me levaram
para o hospital mais próximo. Durante o tempo que estive lá peguei uma infecção
hospitalar e ainda tive sinusite. Olha, eu tomo esse remédio aqui para a
sinusite. Você conhece?
- Não.
- E esse aqui é bom prá enxaqueca. A minha enxaqueca me ataca sempre que
estou naqueles dias. Você tem enxaqueca?
- Tenho. Mas,
- Mas não como a minha. A minha é demais. Eu sinto as órbitas latejarem,
não posso nem acender a luz do quarto. Até me mover na cama me faz mal. Eu fico
com os olhos assim. Olha prá mim. Viu? Assim, esbugalhados.
- Sei. E como vai o seu pai?
- Tudo bem. Deixa eu te contar como tudo começou...
Uma hora depois.
- É isso, Eliana. Bom, eu acho que vou embora. Não vou aguentar comer
nada. O remédio não fez efeito. Vou procurar no carro. Você se importa se a
gente for embora?
- Não.
- A pizza daqui nem é tão boa assim. Vamos noutro lugar.
O proprietário agora está ouvindo o cd dos The Platters. A canção “The
Great Pretender” parece ser a sua favorita porque ele já a repetiu duas vezes.
Que lugar! Que jantar! Jantar!? Eliana sequer bebeu água. O estômago de Eliana
está sentido os efeitos da fome. As amigas se dirigem para o carro de Estelsa,
após pagarem a água que essa última bebeu. Ao abri a mala do carro Eliana se
assusta com a quantidade de remédios que se encontra ali. Estelsa inicia a
busca. Eliana olha para os remédios e depois para Estelsa. O dia está nublado
mas talvez ainda se consegue fazer algo. Eliana se afasta sorrateiramente e
atravessa a rua. O ônibus que a deixaria em casa está vindo. Estelsa continua
falando sozinha e leva certo tempo para ver que a amiga se foi. Sacode os
ombros, pega um lenço de papel para limpar o
nariz e entra no carro.
Do ônibus Eliana vê a amiga parada no sinal. Um suspiro de alívio e logo
o sinal fica verde. O carro de Estelsa vira à esquerda. Eliana espirra mas não
há de ser nada. A noite não havia acabado.
Nivea Oliveira
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