- O quê? Você vai gastar o dinheiro das férias com cortinas?!
- Olha só como está essa cortina, Francisca?
Francisca e Irani são amigas há muitos anos. As duas trabalham como
empregadas de família em Copacabana. Francisca trabalha na casa de uma atriz
famosa, na Avenida Atlântica, que viaja muito e não tem filhos. Irani trabalha
na casa de uma empresária no Bairro Peixoto. Hoje é dia de folga e Francisca
foi visitar Irani que saiu mais cedo do trabalho porque a patroa está em casa e quando isso ocorre ela sai mais cedo. O marido de Irani é porteiro e mora no prédio com ela e as
duas filhas, duas lindas meninas que estão de férias e foram à praia com os filhos da patroa. O
marido de Irani, Paulo, está de serviço.
- Mas tá maluca!? Férias são prá gente viajar! Tu vai ficar olhando as
cortinhas por vinte dias e colocando foto no Facebook? Eu e minha cortina
aberta. Eu e minha cortina fechada. Eu enrolada na cortina... Vai acordar de manhã e tomar café olhando prás cortinas.
- Para disso! O Paulo não vai poder ir para a Paraíba de novo. Ele vai
ter que trocar de carro.
- Então, mulher! Deixa de idiotice! Vai viajar! Ano passado o que o
Paulo fez? Eu me lembro muito bem. Quis pintar a casa. Agora vai trocar
cortina. Me poupe!
- Mas ele...
- Ele tá acostumado a você ser bozinha demais. Você vai para a
Paraíba dessa vez.
- Você acha que eu devida?
- Mas claro! Tirar férias com cortinas? Cortina a gente compra
trabalhando, vira uma novidade no final de semana. Agora, férias são para
viajar.
- Falando assim até parece que você vive nadando no dinheiro.
- Eu viajo sem comprar nada novo. Eu levo o que tenho e o que tá surrado
por lá fica. Não levo presente, Eu sou o presente da pessoa. Essa história de que só viaja se tiver dinheiro prá comprar tudo
novo é besteira.
-Você falando assim me deixa na dúvida. O Paulo quer tanto trocar o
carro.
- Mas você nem dirige! Que coisa sem graça. Pensa um pouco. Você vai ver
sua mãe, seus irmãos, vai passar uns dias arejando a cabeça.
- Não tenho o que me queixar da patroa mas uma viagem agora seria tudo
de bom.
- Então vamos lá comprar essa passagem de ônibus. No futuro você vai de avião.
- Misericórdia! Mas como eu vou dizer isso ao Paulo?
- Deixa comigo, vem cá. Eu tenho uma ideia.
As duas amigas se dirigem para o elevador. Francisca fala sem parar.
Irani escuta com atenção. As duas se dirigem ao setor de limpeza do prédio.
Paulo estava entregando um pacote do correio para um morador quando as
duas mulheres se aproximaram.
- Paulo, eu e Irani vamos dar uma saída um minutinho.
- Tchau amor. Daqui a pouco estamos de volta. Paulo olha intrigado para as duas mas logo precisa atender uma chamada pelo interfone.
Tempos depois Francisca e Irani estão de volta.
- Seu Paulo, a Irani tem uma surpresa.
- É mesmo? Qual seria?
- Ela vai para a Paraíba no próximo domingo.
Silêncio
- Como é que é?
- Isso mesmo amor. Eu vou para a minha terra. Você fica com as meninas.
- E o carro? Não tínhamos combinado de trocar de carro?
- A gente troca ano que vem amor.
- Mas antes Irani vai tirar a carteira de motorista Seu Paulo. Assim,
quando vocês trocarem de carro ela vai curtir também. Agora vamos subir para te
ajudar a preparar a mala amiga.
- Tchau amor, vou fazer um arrozinho doce prá você.
- Mas, o que deu nessa mulher?
Diacho! Eu vou ficar com essas duas meninas sozinhas não.
O faxineiro do prédio, Flavio Ribeiro, se aproxima.
- Seu Paulo, agora a coisa ficou feia. Ouvi tudo. Se eu fosse o senhor ia para a
Paraíba também. Quem tem uma amiga assim é capaz de tudo. Essa Francisca não é
flor que se cheire.
- Você tem razão, Flavio. Você tá coberto de razão. Já tava me vendo no
carro novo. E a bandida tinha falado que ia trocar as cortinas.
- Mas Seu Paulo, tirar férias para trocar cortinha não dá certo, não
homem. Tem que ter movimento.
- Movimento? Que diacho de movimento é esse?
- Entre cortina e viagem. A viagem tem mais movimento, não acha, não?
- O que tu me aconselha já que és tão entendido?
- Eu lhe aconselho viajar também. Ela não vai para a Paraíba? Então o
senhor vai também. Fique perto da esposa. A Paraíba essa época do ano fica
igual Copacabana: cheia de homens. Muitos homens. Quilos de homens querendo uma
mulher. Com todo respeito, dona Irani é uma mulher apanhadinha.
- Apanhadinha é a sua mãe, vem cá seu desgraçado.... Paulo sai da
recepção correndo atrás de Flavio que se esquiva com destreza por ser mais
jovem.
Irani e Francisca escutam sorrindo atrás da planta. Francisca havia dado
um dinheirinho a Flavio para persuadir Paulo antes de sair para comprar a
passagem.
A viagem dos dois começa no próximo domingo e as cortinhas continuarão a
mesma até a próxima oportunidade. Flavio comprou uma camisa nova com o dinheiro do suborno. As meninas? Elas ficaram com Francisca que se mudou temporariamente para a casa de Irani.
Nivea Oliveira
Caros leitores:
Voltarei na primeira semana de janeiro de 2015 com mais crônicas da
série Coisas de Copa, estórias do
cotidiano de um bairro pitoresco e repleto de narrativas. Feliz Natal! Escreva
seu 2015 com o coração aberto e puro com tintas coloridas e papeis de seda. Os sonhos começam no papel para depois ganharem o universo.
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