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Hoje Aurora não desceu


Aurora era uma vizinha simpática que frequentava a mesma academia que eu, em Copacabana. Não frequentávamos a casa uma da outra mas éramos vizinhas cordiais. Seu olhar inquieto denunciava uma vitalidade alegre de uma jovem senhora que morava sozinha mas não era só. Assim como minha mãe que vive aparentemente uma viuvez quando na realidade está de bem com a vida. Conheci pessoas solitárias que estão casadas e o diálogo não destrava porque cada um está olhando para si mesmo. A solidão não é somente uma condição do morar só. A solidão é uma vivência possível mesmo que o indivíduo esteja numa partida de futebol. Todas as vezes que nos encontrávamos, Aurora e eu, eu costumava cantarolar uma velha marchinha de carnaval para ela: “Se você fosse sincera, ô, ô, ô, Aurora.” Ela sorria e engatávamos a conversa do dia que passava pelo trivial até argumentos mais sérios como a política e a economia. Aurora era sincera mas a marchinha dava um toque especial aos nossos encontros.
Eu a encontrava quase todos os dias. Eu estava sempre correndo para chegar a tempo à academia. A batalha com as horas é algo que não consigo vencer ainda. Talvez tivesse que desistir de alguns itens na minha lista do “Do it”. Mas, quem consegue? Estou sempre com pressa e com uma lista que não acaba nunca. E Aurora me pegava pela mão para dizer oi. Ela, por sua vez, desfrutava da condição de aposentada e usava o tempo a seu favor. A habitualidade da sua presença me fazia bem. Já no elevador eu podia pressentir a nossa breve prosa e o seu sorriso.
Hoje Aurora não desceu, O porteiro me disse-me que a filha a levou para a casa dela. Talvez ela irá sentir falta dos nossos encontros mas deve estar feliz por morar de novo com a filha. A dor da solidão veio ao meu encontro ao pensar que seu apartamento está vazio e que ela agora segue uma nova rotina. Onde quer que você esteja saiba que ficará para sempre em meu coração e a marchinha agora é uma boa lembrança da minha doce Aurora.


Nivea Oliveira

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