“Tanto
tiempo disfrutamos de este amor
Nuestras almas se acercaron tanto así
Que yo guardo tu sabor
Pero tú llevas también
Sabor a mí”
Nuestras almas se acercaron tanto así
Que yo guardo tu sabor
Pero tú llevas también
Sabor a mí”
Haroldo
sai do banheiro cantando junto aos Los Panchos a linda música de Luis Miguel. Hoje o dia está
quente e é dia de faxina. Ele vai aproveitar para fazer umas comprinhas e caminhar na areia da
praia de Copacabana enquanto a faxineira faz o trabalho dela. Viúvo há quase dois
anos, Haroldo aprende a cada dia a distrair a solidão. Não é fácil. A
solidão se esconde nos dias, nas horas e nos momentos. A viuvez é um
aprendizado difícil porque na idade dele a gente quer sossego. Enquanto ele enxuga os cabelos grisalhos olha para a foto que está
sob a cômoda e aproveita para secar os ouvidos. A moldura bonita mostra o homem que sorri ao lado de
Pilar. Aquele foi o Haroldo do passado. O Haroldo executivo que comandou uma empresa de
móveis para escolas e universidades por quase trinta anos. O Haroldo que se apaixonou por uma linda jovem do Instituto de Educação. A normalista Pilar era filha única e a escolha nunca foi questionada. "Eram outros tempos", dizia ele. "A gente escolhia e não tinha outro caminho. Hoje os jovens desistem logo e não vão ficar com ninguém porque ninguém é perfeito". Os cabelos de Haroldo eram
negros e curtos. O sorriso era fácil. A felicidade visível num momento em
Angra. O casal sorri para a câmera. Pilar estava linda com aqueles cabelos
repicados e dourados e sentia o abraço do marido com emoção. Ela não demonstrava a idade que tinha. As sardas lhe
conferiam um ar brejeiro e o procurava com o olhar nas festas com docilidade. Era final de ano. O último dela. Os dois estavam na
casa de amigos e faziam planos.
“Si
negaras mi presencia en tu vivir
Bastaría con abrazarte y conversar
Tanta vida yo te di
Que por fuerza tienes ya
Sabor a mi”
Bastaría con abrazarte y conversar
Tanta vida yo te di
Que por fuerza tienes ya
Sabor a mi”
Haroldo
veste-se dançando sozinho. Não. Ele não está só. Sente Pilar ao seu lado ainda.
A mente agora estava em Buenos Aires. Ele e Pilar dançavam felizes. Foi um amor
sem discórdias e sem pedidos de desculpas. As vontades eram feitas sem
ressentimentos. Um amor idealizado e possível. Pilar era uma artista plástica e
vivia no Arcadismo das sensações. Ele, embora imerso no Realismo, se deleitava
na miríade dos sonhos que ganhavam forma nos quadros que ela fazia.
“No
pretendo ser tu dueño
No soy nada yo no tengo vanidad
De mi vida doy lo bueno
Soy tan pobre, qué otra cosa puedo dar”
No soy nada yo no tengo vanidad
De mi vida doy lo bueno
Soy tan pobre, qué otra cosa puedo dar”
Olhou
mais uma vez para a foto dos dois e resolveu abrir as cortinas para mostrar à
Pilar que o sol continuava nascendo todos os dias. Uma lágrima escorreu pela
face dele. O sol não talvez não fosse mais importante assim. Onde ela se encontrava os
desejos eram outros. Ele é que precisava insistir. O interfone tocou. A
faxineira chegou. Era preciso sair logo e desafiar o tempo fazendo de conta que
está tudo bem. Em Copacabana está sempre tudo bem, pensava comigo. O mundo
inteiro quer vir para cá.
“Pasarán
más de mil años, muchos más
Yo no sé si tenga amor la eternidad
Pero allá, tal como aquí
El la boca llevarás
Sabor a mi”
Yo no sé si tenga amor la eternidad
Pero allá, tal como aquí
El la boca llevarás
Sabor a mi”
Haroldo
fecha a porta atrás de si e continua cantarolando a música em seu pensamento. Encontra-se
com a faxineira no elevador. Relembra que o dinheiro está sob a mesa e insiste
para que ela coma algo. faxineira sorri e pensa que ele está doido porque canta sempre essa canção. Ele não se importa. Se importar não fará diferença. A lista das compras estava no bolso esquerdo. Puxa a
meia do pé direito e olha para o relógio. Agora vamos lá, pensa consigo mesmo.
Antes era Pilar que o acompanhava. Agora é essa canção que não o abandona e um longo calendário a
ser preenchido, todos os dias, com atividades que não faziam muito sentido mas que agora conseguem deixá-lo quase feliz. Não tem mais trabalho. Nunca teve filhos. Não tem mais Pilar.
Tem a si mesmo e segue adiante buscando o que fazer consigo mesmo.
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