Queridos amigos e leitores,
Compartilho
o capítulo "Bibiana Francisca - uma questão de hora" , do meu livro Viajantes
do Tempo. Uma leitora me escreveu dizendo que se emocionou muito com a
personagem Tatá que está fazendo sucesso, juntamente com o cabo Gomes e o cão
Bibiana Francisca e me perguntou se eu não poderia divulgá-lo. Aí vai!
Boa leitura!
Bibiana Francisca –
uma questão de honra
Tatá deixou o cabriolet próximo à praça. Desceu com cuidado
e depois pegou no colo Bibiana Francisca, sua fêmea vira lata, que estava muito
pesada. Tatá caminhava debaixo do sol
das duas da tarde, rasgando um pedaço de pão com a fome das moléstias do
cachorro enquanto observava as casas. Ela não havia almoçado. Naquele horário,
na cidade de Cajueiros, algumas famílias deixavam as janelas de casa fechadas
para manter o ar fresco da manhã que brigava com o vento quente da tarde, que
vinha de longe, trazendo poeira e mais calor. O corpo ficava grudado de suor e
terra e manter as roupas limpas era um desafio constante. Tatá, com suas
tranças compridas e sedosas, caminhando lentamente, parando de vez em quando
para pelejar com Bibiana Francisca. A
cachorra estava prenha e caminhava com dificuldade, arfando e olhando para a
sua dona com ar de piedade. Os cães sabem fazer isso como ninguém.
- Vamos Bibiana Francisca,
agora não adianta ficar assim. Na hora do bem bom você quis brincar, agora
vamos tirar isso a limpo.
Bibiana Francisca
prosseguia com dificuldade, mas obedecia à sua dona.
Uma pessoa passou e
viu a cena da moça conversando com um cachorro e prosseguiu sorrindo,
balançando a cabeça com ar de deboche.
Diante da casa de
dona Almerinda, Tatá se deteve por uns instantes, para ajustar o vestido e
bater palmas com decisão.
- Ô de casa! – Grita
Tatá.
Dona Almerinda
demorou um pouco a aparecer. A casa tinha uma varanda pequena repleta de vasos
de plantas. A pintura embaciada revelava as poucas posses da viúva, que vivia
fazendo bolos para fora.
- Ô de fora! – Respondeu dona Almerinda, chegando até a
varanda da casa.
- Quero ter uma
prosinha com a senhora. – Diz Tatá olhando para Bibiana Francisca.
- Comigo? Ôxe! – Dona
Almerinda não imaginava o que podia ser aquela visita inesperada.
- Sim, ora, não tem
mais ninguém aqui! Sou eu mesma! – Afirma Tatá com decisão e com um olhar
alucinado, como se estivesse em transe.
Dona Almerinda se
achegou receosa. Não abriu logo o portão.
- Fale minha filha.
Espero que não comece a se rasgar aqui. - Diz dona Almerinda preocupada por
conhecer a fama da moça.
- A dona não vai
abrir o portão prá mim, não?
Dona Almerinda abriu
o portão de madeira desgastado pelo tempo e reparou que Bibiana Francisca
estava ao lado de Tatá. Algumas folhas da árvore da calçada cobriam o chão. O
jardim da idosa era bem cuidado apesar do sol forte, que castigava as plantas.
- Pois bem, boa tarde
dona Almerinda. Aqui estou para mostrar à senhora o estado de minha cachorra Bibiana
Francisca. Olhe bem para a bichinha, veja como o seu cachorro, Rex a deixou.
- Eu não tô
entendendo bem aonde a senhora Tatá quer chegar.
- Bibiana Francisca
está prenha e Rex é o culpado. – Sentencia Tatá com desatino.
- Mas era só o que me
faltava. A senhora vir até o meu portão para dizer uma coisa dessas. Não tem o
que fazer, por certo. Pois olhe minha filha, a vida da gente é muito ocupada.
Se a senhora tem tempo para conversar com cachorro...
- Eu converso sim,
são filhos de Deus também. – Tatá aumenta o tom da voz.
- Pois é, mas eu
tenho um bolo prá fazer e não posso ficar aqui proseando. Os animais se
entendem. Quem tem suas cabritas que as prendam que os bodes andam soltos. –
Responde dona Almerinda se abanando. O calor estava forte e a senhora começava
a se agitar.
Tatá, diante da
última frase, perdeu o controle e avançou em direção de dona Almerinda. Bibiana
Francisca viu que a sua dona estava descontrolada, mas a idade, o calor e a sua
condição não a deixaram se mover. O furdunço começou.
- A senhora vive na
igreja rezando e trata assim a gente, é? Eu quero dinheiro para cuidar da minha
Bibiana Francisca – Grita Tatá agarrando dona Almerinda pelo vestido.
- A moça quer que eu
faça o que? Os dois são animais irracionais! Tire as mãos de cima de mim. Não
me contamine com suas maluquices. Socorro! Valha-me Deus!!!
Tatá desmanchou o
coque de dona Almerinda e as duas se engalfinharam pelo pequeno corredor até
chegarem à varanda. Um vizinho vendo a cena começou a gritar. Logo apareceu uma
pessoa, depois mais uma e outra e em pouco tempo uma multidão estava formada
diante da casa da boleira. Bibiana Francisca teve que se levantar para não
pisarem nela. Rex latia desesperado lá dos fundos, ele estava preso e ouvia os
lamentos de dona Almerinda. Chamaram a
polícia e depois de um determinado tempo o cabo Gomes chegou e levou as duas
para a delegacia.
O chefe da polícia
não acreditava no que ouvia e se esforçava para não rir diante das duas
mulheres.
- Eu quero uma
indenização pelos gastos que vou ter com minha cachorra Bibiana Francisca. Dona
Almerinda não tomou conta do cachorro dela. Ele é que veio até a minha casa.
- Jovem, não existe
isso. – Dizia o chefe da polícia quase sorrindo.
O cabo Gomes se
compadecia de Tatá. Ela era o seu grande amor. Desde que a viu ele nunca mais
se interessou por ninguém. Dona Almerinda, com os cabelos desgrenhados,
respondeu com altivez.
- Eu estava em minha
casa fazendo meus bolos quando essa maluca chegou com aquele animal fedorento
que está lá fora para me falar sobre o Rex. Em que mundo nós estamos vivendo
minha gente? Sou uma mulher idosa!
A briga durou ainda
quase uma hora diante do delegado até que ele resolveu mandar dona Almerinda
para casa com outro cabo. O Gomes ficou responsável por Tatá, porque o delegado
sabia da queda de asa dele por ela. Mas, antes chamou o subalterno Gomes numa
outra sala.
- Gomes, eu não tenho
nada contra a tua namorada, mas tu deve pensar bem, visse? Essa tua Tatá é tantan, doidinha varrida.
Gomes quis responder,
mas ele era o seu superior. Fechou o cenho e pediu permissão para sair. O
sargento autorizou e depois disse consigo mesmo:
- O amor é cego!!!
Tatá saiu da
delegacia chorando muito. Gomes colocou Bibiana Francisca no carro da polícia
porque o animal estava em condições piedosas e se não fizesse isso seria outra
confusão com sua amada. Antes de dar a partida ele se vira para ela e diz.
- Quer um sorvete
antes de ir para casa, Tatá?
- Eu quero meus
direitos. Minha Bibiana Francisca não podia ficar prenha. Não tenho dinheiro
para dar comida aos filhotes.
- Eu te ajudo, Tatá.
Deixe isso prá lá! Ôxe! Ir pedir dinheiro à dona Almerinda. Parece até que tu
tá na rua da amargura.
- E não tô?
- Nessas horas vou
estar ao teu lado, visse?
- Ela chamou Bibiana
Francisca de bicho fedorento, visse isso?
- Eu ouvi Tatá,
esquece isso. Vamos à sorveteria de dona Palmira.
Mas, Tatá não se
esqueceu.
Enquanto se dirigiam
à sorveteria Gomes se recordava de quando levou o primeiro presente para Tatá,
há muito tempo atrás. Ele chegou à fazenda com o carro da polícia. Libânia
capinava o quintal e viu quando o cabo desceu do carro com uma boneca de pano
nas mãos, comprida e toda colorida. Gomes perguntou pela namorada.
- Libânia, Tatá tá
aí?
- Tá. Tatá tá. Tá
brincando de boneca agora, é?
- É bonitinha, né? É
uma bruxinha feita lá na capital. Comprei de um caixeiro viajante e trouxe para
Tatá.
Libânia quase sorriu,
mas logo se conteve. Não era o seu estilo, mesmo gostando do futuro cunhado.
- Entra e vai brincar
de boneca. Se teus colegas vissem isso... Um policial andando por aí com uma
boneca, sei não visse.
Gomes comprou o
sorvete de mangaba[1] e pediu um pouco
d’água para Bibiana Francisca que estava muito cansada. O percurso até a
fazenda foi tranquilo. Ao chegarem diante do casarão, Tatá desceu do carro da
polícia amparada por Gomes que também carregava Bibiana Francisca no colo. Os
cabelos desalinhados e o olhar assustado denunciavam que a agonia estava
passando dando vez à outra personalidade de Tatá, doce e gentil. Noca vem ao
encontro da filha desesperada e a leva para dentro ajeitando os seus cabelos e
acariciando seus braços. Antes de entrar agradece ao cabo Gomes por tê-la
trazido. Tatá chama Bibiana Francisca que tenta entrar em casa, mas o animal se
arrasta para o bebedouro, morrendo de sede. Após se saciar, olha para o cabo
Gomes como se entendesse tudo e vai ao encontro de Tatá, já está dentro de
casa.
A estória da
pancadaria já havia se espalhado pela pequena cidade de Cajueiros. Libânia pergunta
ao cabo Gomes mais detalhes sobre a intriga. Depois de ouvi-lo, ela sentencia.
- Vou “quebrar a cara” de Almerinda se ela se
atrever a encostar a mão em Tatá.
- Ôxe, tá com as
moléstias do cachorro? Dona Almerinda tava na casa dela. Tatá é que foi lá
cutucar o “chifrinho com a vara curta”.
- Tatá é doente,
Gomes. Se você quiser mesmo se casar com ela vai ter que fazer isso logo antes
que ela endoide de vez.
Libânia gostava de
Gomes porque via nele um grande homem, de bom coração e que realmente se
interessava pela irmã doente.
- Ela não é doida,
não. Deixa que eu vou falar com teu pai. Tatá é... só um pouquinho nervosa, às
vezes, mas o amor muda tudo, Libânia.
- Deve mudar mesmo
porque você não se importa com isso. E quando ela ganhar a campina afora nas
noites de lua cheia, o que é que tu vai fazer?
-Isso vai acabar
depois do casamento.
- Deus te ouça Gomes,
Deus te ouça.
[1] Mangaba é o fruto da mangabeira; é usado na fabricação de doces,
sorvetes, sucos e um tipo de vinho.
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