Estamos concluindo uma reforma lá em casa. A convivência com a bagunça é leve porque uma new house já ganha nova forma. Caixas, caixinhas,
bolsas, bolsinhas, tudo repleto de coisas que usamos de vez em quando. A gente
vai acumulando “gordura material” ao longo do tempo, como se fossemos um “Tio
Patinhas” de bugigangas.
Minha alma de escritora me leva sempre a refletir sobre as mínimas coisas, até quando arrumo o meu espaço caseiro eu busco algo que possa servir aos meus leitores. Nós escritores temos esse compromisso com voces. E dessa vez, o tema surgiu da forma
dos objetos que eu arrumava. O momento me remeteu ao passado, quando eu morava em Torino, na Itália.
Eu atuava como “mediatrice culturale”, mediadora cultural, uma figura profissional, diplomada pela agência competente local, que servia de traço de união entre as diferenças culturais dos imigrantes e o Estado italiano. Naquele então a imigração brasileira
não era tão volumosa em minha cidade e acabei atuando em algumas questões africanas, pelo fato
de participar de projetos na África, e ter a cidadania do coração. Acredito que
a gente não precisa nascer num lugar para conhecê-lo e aprender a amá-lo. Foi
um tempo de muitas caixinhas quadradas e redondas. Quando aparecia uma caixa
amassada então... a coisa ficava feia. Até entre os mediadores as diferenças eram ressaltadas em algumas situações. Não existe mesmo a ausência de conflito. Mas o conflito em si é positivo porque nos ajuda a crescer.
Formas diferentes quando são colocadas juntas são bonitas,
ao meu ver. Porém, tive que conviver com pessoas que acreditava que o mundo deveria
ser feito de caixinhas redondas e com outras pessoas que almejava um mundo de
caixas quadradas. Sob o olhar das Artes as diferenças são pérolas de boas
tramas, tintas, formas. Já imaginou uma peça teatral com todos os atores sem
nenhum conflito ideológico entre eles? Os quadros monocromáticos existem mas eu
prefiro aqueles que jogam com as tintas buscando novas nuances. O fato de eu
pensar assim não me permite que eu espere que o outro também tenha esse viés em
relação às diferenças. O respeito deve estar presente num momento de conflito. E a forma da nossa caixa deve ser decisão nossa. Tem espaço para todos.
Lendo os jornais recentemente percebi que esse respeito
mútuo pelo diferente parece estar ameaçado aqui no Brasil também. Nunca fomos a
ilha da fantasia em termos de convivência, o racismo esteve sempre ocultado por
outras virtudes que vendemos ao mundo como exclusivamente nossas, porém a
convivência entre os diferentes era um caminho que nasceu do encontro das diferentes culturas. Quando os portugueses chegaram ao Brasil encontraram os índios, não
a nossa raça. Os brasileiros vieram de estirpes diversas. Somos uma colcha de
retalhos, muito bonita ao meu ver. O que está acontecendo conosco?
Não gosto muito da palavra tolerância. Tolerar me parece
forçar uma situação que nos é imposta. Entender sob a luz do conhecimento
me traz mais conforto. Consigo perceber que no fundo a crença do outro é tão
importante como a minha, assim como a cor que ele escolheu para a sua casa, as
roupas que comprou, os programas que fazem ou não fazem nos finais de semana.... enfim,a lista é infinita. Graças a Deus, gente!! Alguém já disse que para ser insubstituível precisa ser diferente. Queremos mesmo a
monocromia? E as demais cores?
Estamos avançando em muitos setores. O nosso eu profundo precisa dar um passo adiante. O outro vai existir. Eu gostando ou não. As escolhas do outro, se não me afetam diretamente, deveriam ser vistas como escolhas pessoais. Se a gente começar a se sentir ameaçado somente em ver duas pessoas se beijando ou proclamando uma fé diferente aí a coisa vai ficar mal. O processo de evolução irá adiante. Que tal fazer disso uma linda viagem da nossa existência?
Comentários
Postar um comentário