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Sobre a mania de ter razão


Observando a foto de um detalhe de uma colcha de retalhos de minha mãe, comecei a refletir sobre as conexões que fazemos em nosso cotidiano. Somos como esses pedacinhos de tecidos. Temos a nossa forma e cor e estamos unidos aos demais por linhas tênues. 
Na colcha esse conjunto cria uma harmonia perfeita e visualmente atraente. Em nossa convivência habitual esses contrastes não se unem facilmente. E, quando se unem repentinamente, quase sempre, se dissolvem na mesma velocidade. Queremos ter a beleza das cores, mas não queremos nos deixar cortar. Se precisarmos aparar um ângulo de nossos cantinhos para nos moldarmos a outras formas nem sempre conseguiremos fazer isso de modo tranquilo.
Não somos tecidos, portanto, não conseguimos nos moldar a nada sem o pensamento. Por isso o conflito emerge desses momentos. O conflito em si não é negativo. Graças aos conflitos conseguimos evoluir em muitos setores da nossa existência. Procurá-los sem uma razão é que deixa o sabor da vida ensosso. A harmonia da colcha de retalhos é pensada por quem a faz. Os nossos conflitos são pensados ou os vivemos intensamente somente com o coração? Quanta coisa que no passado nos parecia insuportável, com o passar do tempo e com a ajuda da nossa mente foi ficando mais claro?
Podemos viver guerreando com os demais por situações que não nos trazem nada, a não ser a glória passageira de nos sentirmos mais preparados e inteligentes. Se eu corro para estacionar na frente de outro carro, o que levo com isso? O que eu ganho ao ver que o motorista da frente deseja mudar de pista e o impeço de fazer isso acelerando? Se não permito ao outro que ele me fale a sua versão da incompreensão e saio da estória torta e sem fundamento cheio de razão, o que isso me acrescenta?
O movimento da paz deveria começar com perguntas pequenas. Somente depois a grandeza do ser tomaria o lugar de gestos pequenos. Às vezes queremos ganhar a partida sem entender o quando ela não foi adiante por nossa culpa, por nossa desconfiança, por nossa mania de controlar tudo, por nossa insegurança e, sobretudo por achar que sabemos tudo. Admitir o nosso “não saber” nos deixa sempre a possibilidade de aprendermos mais da vida. E aprender é um verbo dinâmico que nos transforma. O exercício de transformação é mais satisfatório do que ocupar vagas em estacionamentos, não dar a vez aos demais motoristas e sair de uma discussão com a cabeça erguida pelo orgulho de estar certo. Como dizia René Descartes, “Não há nada no mundo que esteja melhor repartido do que a razão: todos estão convencidos de que a tem de sobra.”
Bom final de semana leitores!

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